quarta-feira, 17 de junho de 2020

Liberdade, religião e secularização

Amanda Lima






 “One of us” é um documentário dirigido por Heidi Ewing e Rachel Grady, que acompanha a história de três judeus hassídicos: Etty, Ari e Luzer. Eles moram no Brooklyn e buscam de alguma forma a liberdade individual em meio a uma comunidade bastante fechada.
Os judeus hassídicos formam um movimento bem específico dentro do judaísmo ortodoxo, no qual as pessoas vivem sob regras bastante rígidas. Eles criam seu próprio código de conduta, frequentam escolas próprias e os materiais didáticos são minuciosamente analisados antes de serem entregues aos alunos. As pessoas mais velhas que compõem a comunidade possuem um medo do conhecimento e se opõem a ter qualquer tipo de acesso à produção cultural secular dentro da comunidade. Por isso, o acesso às bibliotecas é proibido como forma de impossibilitar esse contato. As pessoas que fazem parte desse grupo vivem em um universo à parte, sem contato algum com saberes ou vivências diferentes.
O ponto central desse documentário é perceptível no momento em que os três personagens principais decidem abandonar essa vida cheia de regras, e isso é exposto de forma bastante humanizada e dolorosa refletida na solidão que os acompanham e quando precisam lidar com o afastamento dos próprios familiares, e ainda ter a dificuldade de viverem em um outro mundo sobre o qual eles pouco sabem, já que anteriormente essa opção não era permitida para os mesmos, um fator que dificultava a inserção deles no mercado de trabalho pelo fato da educação ser bastante limitada.
Esse documentário consegue captar de forma interessante o choque cultural que existe entre a religião, o estado e a liberdade, e mostra a necessidade de se abrir um debate de forma séria em relação à liberdade religiosa e cultural dentro da modernidade. Isso faz surgir questionamentos sobre as concepções construídas sobre bases tradicionais em paralelo ao mundo em que vivemos hoje.
É necessário abrir espaços de debate para essa pauta, visto que, ainda em alguns lugares, inúmeros tipos de violências ou limitações no modo de viver dessas pessoas são naturalizados e legitimados sobre o discurso de ser algo cultural, que sempre foi assim. É preciso ter um olhar de cuidado e respeito sobre as manifestações de cultura ou religião, mas é necessário que essas concepções sobre como cada comunidade religiosa deve ser regida não acabe violando a autonomia e vivência de cada indivíduo.

segunda-feira, 8 de junho de 2020

O direito à maternidade negado às mulheres negras

Mônica Rocha dos Santos



(Reflexões a partir da leitura do capítulo 10 do livro Teoria Feminista de bell books)


No décimo capítulo do livro Teoria Feminista, bell hooks levanta uma discussão sobre o início do movimento feminista e a questão da maternidade, vista por muitas mulheres brancas de classe média como um obstáculo à liberdade das mulheres. Para hooks, se a percepção das mulheres negras tivesse sido levada em consideração, outros obstáculos à liberdade teriam sido levantados, como o racismo. É esse racismo que aqui no Brasil tem negado o direito de vivenciar a maternidade para muitas mulheres negras.

As mulheres negras da diáspora sempre trabalharam, e nesse contexto, contaram muitas vezes com a comunidade para ajudar a criar seus filhos. A literatura está cheia de exemplos de mulheres negras que abdicaram, pela necessidade do trabalho, do direito de exercerem/vivenciarem a maternidade. As crianças negras são educadas em comunidade, não por uma filosofia de vida, mas pela necessidade da ausência de seus pais.
            Nesse contexto de vivência da maternidade, mães negras estão tendo, muitas vezes, esse direito negado. A violência do racismo (muitas vezes exercida pela ação policial, braço do Estado) tem dificultado a existência das famílias negras. Acabar com a vida dos jovens negros é a política mais eficaz de genocídio a longo prazo praticado aqui no país, que tira a vida do indivíduo e, ao mesmo tempo, desestabiliza sua comunidade.
A maternidade nesses casos é interrompida, negada. Mônica Ribeiro, mãe de Kauê Ribeiro, 12 anos, Vanessa Francisco Sales, mãe de Agatha vitória Sales, 8 anos, Rafaela Matos, mãe de João Pedro Matos, 14 anos e Mirtes Renata Souza, mãe de Miguel Otávio Santana da Silva, 5 anos, são exemplos de mulheres que tiveram seus direitos de maternidade negados por um sistema racista que impede crianças e jovens negros de viverem.
A comunidade negra contribui para a formação e o cuidado de suas crianças, muitas mulheres, mães solos, encontram na comunidade o suporte para criarem seus filhos. É no sistema de ajuda mútua que as crianças vão sendo educadas na comunidade. E é essa comunidade negra que morre toda vez que seus filhos são mortos, a dor da perda das crianças e jovens negros não é apenas a dor de uma família, é também a dor de uma comunidade.
É essa mesma comunidade que diariamente se manifesta contra o genocídio dos seus, toda vez que um corpo tomba a comunidade levanta sua voz em resposta. Talvez essas vozes não ecoem na mídia nacional, mas engana-se quem pensa que estamos apáticos para o projeto político em curso. Em meio a dor das famílias e da comunidade sempre existiu lugar para a resistência e para a luta. Não descansaremos enquanto as crianças e os jovens negros não tiverem direito a existirem e suas mães a vivenciarem a maternidade, pois #VidasNegrasImportam.  

Homens: Companheiros de Luta

Mateus Santos de Sousa



(A partir da leitura do capítulo 5 da Teoria feminista de bell hooks)


Bell Hooks enfatiza a respeito da luta feminista e suas mais diversas ramificações sociais. Em específico, neste capítulo a autora mostra a importância dos homens para a emancipação do movimento, sem desconsiderar que eles se encontram em uma posição de privilégios e gozam das oportunidades do capitalismo, às quais as mulheres não possuem acesso pelo simples fato de nascerem mulheres em um sistema patriarcal, que se baseia em opressão e dominação. 

Vivemos em uma sociedade machista e os homens sabem disso. Uma pesquisa realizada pela ONU Mulheres e o portal PapodeHomem (2016) aponta que 81% dos homens consideram o Brasil um país machista. Sendo assim, o machismo é a base para a difusão das mais diversas violências contra a mulher, o que se torna inaceitável, pois a cada 4 minutos uma mulher e agredida no Brasil (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2018). Mas para isso acabar é preciso nos posicionar de forma assertiva, dialogando e trazendo essas discussões para os ambientes de convívio social.

Em primeira análise, bell hooks reitera sobre a importância de envolver todos e todas nessa luta, principalmente os homens, como explicitado pela própria autora no trecho a seguir: “Definido como movimento para acabar com a opressão sexista, o feminismo autoriza homens e mulheres, [...], a participarem em condições iguais da luta revolucionária” (HOOKS, 1984, p. 111). Mas para que tal afirmação aconteça é preciso haver um engajamento e interesse por parte dos homens, para mudar o nosso comportamento e da sociedade sobre a opressão sexista. Em conjunto, podemos difundir que a igualdade de gênero é uma causa social, política e econômica com a intenção de promover mudança social. 

“O machismo é uma grande cegueira”, essa frase do psicólogo Fred Mattos é bastante pertinente para a discussão de Bell Hooks sobre o papel do homem dentro do feminismo. Contudo, vivemos em uma sociedade onde existem interesses privados, como exemplo, por que lutar contra meus privilégios de gênero? Ou pior, por que acabar com meu poder de dominação? O feminismo se torna uma ameaça por confrontar paradigmas de desigualdade e interesses individuais no meio masculino, por isso há uma certa resistência em sentar para ouvir uma mulher ou dar credibilidade a seus feitos e sucessos profissionais.

Hoje em dia, já existem grupos de homens que demonstram interesse pelo tema e querem contribuir com a causa. Em uma pesquisa realizada pelo Instituto Avon (2016) com 1.800 homens, observou-se que 88% dos entrevistados acreditam que há desigualdade entre homens e mulheres na nossa sociedade. Porém, foi constatado pela mesma pesquisa que alguns homens desse grupo não sabem como mudar seus comportamentos machistas e, por esse motivo, é de fundamental importância que as feministas auxiliem esses homens por meio de diálogos e projetos de inclusão social dentro da luta feminista. 

Segundo a autora, para alcançarmos um país mais igualitário e justo, faz-se necessário emancipar homens e mulheres a resistirem à educação sexista, a qual ensina a odiar e temer uns aos outros. “A retórica feminista baseada na ideia de que os homens são inimigos não resultou em muitas implicações positivas” (HOOKS, 1984, p. 122), como observa bell hooks. Tratar os homens com hostilidade, utilizando da lógica de vilão e heroína não os tornará suscetíveis às ideias feministas e sim alimentará um desejo de supremacia e dominação, por se sentirem ameaçados. 

Por fim, foi analisada a questão de raça e classe dentro do feminismo, citando a escritora negra Maya Angelou, que realiza uma discussão sobre os diferentes papéis desempenhados por mulheres brancas e negras nas comunidades. bell hooks analisa em encontros sociais diferentes que mulheres negras sempre predominam no ambiente, em contrapartida, as mulheres brancas vivem sobre a tutela dos homens brancos, com certo grau de parentesco, impondo o lugar onde elas devem estar com a seguinte afirmação “eu não preciso que vocês comandem minhas instituições” (HOOKS, 1984, p. 114). Através dessa experiência, bell hooks comprovou que as mulheres negras estavam dizendo para os homens negros que não eram inimigos e que precisavam se opor à educação que ensina a nos odiarmos, porque há uma causa maior, a luta antirracista. Essa ideia repercutiu recentemente na ligação afetiva entre dois negros em um reality show (HOOKS, 1984). Precisamos de homens e mulheres na luta contra o sistema do patriarcado.


“Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser o opressor” PAULO FREIRE.
Referências Bibliográfica:
HOOKS, Bell. Teoria Feminista: da margem ao centro. Ed.1. São Paulo: Perspectiva, 2019.
81% dos homens consideram o Brasil um país machista, aponta pesquisa inédita da ONU Mulheres. ONU Mulheres, 25 de out. 2016. Disponível em: http://www.onumulheres.org.br/noticias/81-dos-homens-consideram-o-brasil-um-pais-machista/> Acesso em: 05 de mai. 2020.
CUBAS, Marina, G. ZAREMBA, Júlia. AMÂNCIO, Thiago. Brasil registra 1 caso de agressão a mulher a cada 4 minutos, mostra levantamento. Folha de S. Paulo, São Paulo, 9 de set. 2019. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2019/09/brasil-registra-1-caso-de-agressao-a-mulher-a-cada-4-minutos-mostra-levantamento.shtml> Acesso em: 05 de mai. 2020.
O papel do homem na desconstrução do machismo. Instituto Avon, São Paulo, set e nov. 2016. Disponível em: < http://institutoavon.org.br/uploads/media/1481746069639-projeto_ia_20x20cm.pdf> Acesso em: 06 de mai. 2020.

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