quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

A vela e o temporal


Tamirys Jordânia de Freitas C. Branco



A Vela e o Temporal é a obra aqui apresentada e que compõe o rol da literatura feminina piauiense. Ela mostra a mulher que transgride, rompendo com as barreiras de uma tradição dominada pela cultura machista, fragmentando os preceitos do patriarcalismo e rebentando com as tradições machistas da sociedade.
O cenário abordado na obra é o sertanejo, no período em que o coronelismo estava em alta. A protagonista, Rosáurea, é uma moça apegada à terra em que vive e que vai além do que lhe é imposto, enfrentando as predeterminações que a sociedade lhe colocava. Apesar de viver dentro dos costumes da tradicional família do avô paterno, que se fundamentava na cultura do patriarcalismo, a protagonista busca ser dona do próprio destino, sendo uma personagem com uma personalidade forte e marcante durante todo o enredo da obra.
A trama da presente obra se passa na região do vale do Parnaíba, interior do Piauí. Santa Quitéria, a fazenda da família Fernandes, comandada pelo Coronel Severo, é o cenário no qual se desenrolam as principais ações de A Vela e o Temporal.
A narradora e protagonista dessa história, Rosáurea, tem amor incondicional pelas terras da família e, desde criança, acompanha o desenvolvimento da fazenda. Ainda quando criança presencia uma cena que exerce influência em toda a narrativa: escondida atrás de um móvel no quarto de seus pais, Rosáurea presencia seu pai entrar no quarto com sua mãe morta nos braços.
Após alguns anos, já na fase adulta, Rosáurea precisa lidar com os assédios de seu primo, Dionísio, que tenta a qualquer custo convencê-la a casar-se com ele na intenção de se tornar dono da fazenda Santa Quitéria e vender as terras para ir morar no Rio de Janeiro. Sem ter ciência dos planos do neto, Coronel Severo deseja casar Rosáurea e Dionísio.
Dionísio chantageia Rosáurea ameaçando-a de contar todo o segredo que sombreia a vida dos Fernandes: dizer a todos que o pai de Rosáurea matou a própria esposa. Rosáurea, inocentemente, para proteger o próprio pai, sede as vontades do primo e decide casar-se com ele. Porém, a moça ama David. O romance entre Rosáurea e David é interrompido por conta de Dionísio. A narrativa versa sobre essas duas problemáticas e conta com o plano de fundo das paisagens nordestinas. O desfecho se dá por meio da coragem de Rosáurea em decidir se casar com o homem que a amava rompendo com as tradições que a destinava a se casar com seu primo, David.
A história gira em torno desse grande conflito e conta com uma riqueza de detalhes tanto dos sentimentos das personagens, quanto da descrição e valorização do espaço. Com relação a isso, Araújo (2013, p. 56) fomenta que
De antemão, pode-se dizer que as narrativas de Alvina[1] guardam algumas particularidades que se manifestam nas obras estudadas. Uma delas diz respeito ao apego que ela mantém com o sertão nordestino, em especial o piauiense. Tanto em A Vela e o Temporal (1996) quanto em O Vale das Açucenas (s.d.)22, o olhar que a autora assenta sobre o Nordeste é um olhar de admiração e afeição aos costumes do sertão nordestino. Isso permite afirmar que o sertão de Alvina é o sertão edênico, discrepante do sertão de Graciliano Ramos, por exemplo. Apesar de ser figurativo de um sertão próprio, característico da escrita de Alvina, ela escreve sobre um sertão coletivo, de encontros e desencontros, das grandes fazendas, das relações sociais mais amplas.
Araújo afirma, portanto, que Alvina retrata o espaço sertanejo nas suas obras exaltando as belezas que ele possui e dedica, como no caso de A vela e o temporal, uma série de páginas para descrever as belezas naturais que o sertão piauiense possui.
Alvina Gameiro, autora da obra, traz uma mensagem muito pertinente aos estudos de gênero, sobretudo relacionados à mulher, apresentando a transgressão da personagem que, ao descobrir o mistério que girava em torno de sua vida, resolveu tomar seu próprio rumo e definir seu próprio destino, ultrapassando as barreiras do poder do avô a quem era submetida.
Alvina Fernandes Gameiro, piauiense nascida em 10 de novembro de 1917, em Oeiras – PI e falecida em Brasília, em 13 de agosto de 1999, dedicou grande parte da sua vida à literatura. Além de escritora, Alvina Gameiro graduada pela Universidade de Colúmbia, formou-se também na Escola Nacional de Belas Artes. Professora, romancista, contista, poetisa e pintora, Alvina Gameiro pertenceu à Academia Piauiense de Letras, cadeira nº 14.
Durante toda sua trajetória, com suas obras, narrativas e poemas, marcadas pelo regionalismo nordestino, marcou sua escrita também com personagens características das transgressões que rompem com as tradições da época. Citam-se, como exemplo de publicações desse tipo: Orfeão de sonhos – poesia, 1976; A vela e o temporal – romance; O vale das açucenas – 1963; Quinze contos que o destino escreveu; Chico vaqueiro do meu Piauí – 1970; Curral de Serras – romance, 1980; Contos do sertão do Piauí (contos), 1988.
A escritora recebeu da maioria dos críticos uma recepção positiva, pois escrevia com riqueza de detalhes e não perdia a essência da literatura regionalista. Outro ponto que chamava atenção eram as personagens fortes que Alvina trazia em seus textos sempre tentando fazer, mesmo que indiretamente, seus questionamentos à sociedade.
A obra aqui será tratada por meio da personagem protagonista que, apesar de viver em um contexto dominado pelo coronelismo e patriarcalismo, transcende a essa cultura e apresenta-se com um indivíduo subversivo. Sobre a crítica, pode-se citar como uma das boas recepções que Alvina Gameiro teve Mário Ferreira dos Santos, que após entrar em contato com as obras de Alvina fica estonteantemente embebedado pela riqueza da estética literária e comenta:
Ao lê-lo cheguei as seguintes reflexões, em face de tanta experiência poética malograda nos dias de hoje: os velhos cânones não impedem a criação, com cânones de Fídias não impediam que suas obras se tornassem exemplares para a humanidade. Dentro desses cânones a senhora produziu uma bela obra, que guardarei entre os livros mais caros. ( SANTOS, apud MENDES, 2009, p. 96)
A crítica recebeu Alvina com comentários positivos significativos dentro da crítica brasileira. Optando por manter o dialeto do povo sertanejo, Alvina Gameiro encanta a todos que tem a oportunidade de ter contato com suas obras. Pode-se citar ainda José Américo de Almeida que exaltou a arte de Alvina e não economizou palavras ao se retratar a ela e sua escrita:
A poesia não morre por sua variedade. Quando parece esterilizar-se adquire uma doçura como a sua. Temos nossas fontes, nordestinos da criação. A questão é o tratamento que se dá a esses símbolos. Não lhe falta a magia poética. Quanto mais simples mais atraente se revela a face oculta. É por isso que a poesia popular está recuperando o seu prestígio. Francamente, li com alegria o seu belo poema Chico Vaqueiro do meu Piauí.
O autor afirma que tudo depende da forma que nos relacionamos com as coisas. Pois todos têm sangue nordestino e como se pode observar, a autora se destaca pela linguagem que emprega em suas obras, trazendo a cultura e o dialeto do povo sertanejo e as descrições ricas em detalhes da paisagem nordestina, o que torna suas descrições uma forma de valorização da cultura regionalista.

Referências
GAMEIRO, Alvina Fernandes. A Vela e o Temporal. Brasília [s.n.], 1996.


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