terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

O quarto de despejo

Ana Beatriz Soares Portela


O presente texto visa esclarecer e mostrar a importância do livro Quarto de despejo, escrito por Carolina Maria de Jesus para questões sociais, debates, e qual seu impacto dentro de ambientes acadêmicos, a luta diária de uma mulher negra favelada contra a fome, e o porquê ficou tão conhecido a ponto de ser traduzido para 13 diferentes idiomas. Para isso, faz-se necessário apresentar o diário. Escrito por Carolina de Jesus em 1950, em uma antiga favela da cidade de São Paulo, Canindé, o diário conta com recursos valiosos, como a experiência empírica da autora com o mundo da fome, da miséria e do preconceito, nos quais o lugar de fala ganha espaço, uma vez que tudo isso foi vivido por Carolina.
Portanto, a linguagem do diário foi preservada, a fim de manter a identidade real dos fatos, ou seja, uma linguagem bem informal, mas rica de uma visão de dentro da favela presenciada por uma mulher negra, mãe e catadora de lixo. No âmbito social, o livro traz uma crítica à questão da violência, do desprezo, da classe social, do preconceito, da fome e as dificuldades que um morador da favela passa diariamente, principalmente no que tange a mulher e mãe. O diário apresenta-se com esse nome por fazer uma alusão à favela, na qual é considerada o “quarto de despejo” das elites, e no livro, Carolina escreve e relata que tudo o que parece não importar é jogado na favela, o negro, o pobre. Assim sendo, a vida dessas pessoas acaba ganhando dificuldades para se emancipar, uma vez que as condições de vida são precárias, como o combate a fome, e a catadora de lixo relata que muitas vezes ela e seus filhos iam dormir com muita fome, o que fazia com que ela parasse de escrever seu diário e voltasse depois de três a dez dias: “A tontura do álcool nos impede de cantar. Mas a da fome nos faz tremer. Percebi que é horrível ter só ar dentro do estômago” (JESUS, 2007, p. 45).
Além disso, pode-se observar no diário que Carolina fica muito preocupada com a violência que presencia, como maridos batendo nas esposas, crianças de nove anos agressivas por conta do álcool e ninguém se preocupava, era isso o despejo, o resto no qual ninguém fazia nada para parar, mas Carolina se importava e muitas vezes acionava a emergência, a polícia. O Brasil vivia anos de “progresso”, 50 anos em 5 para Juscelino, mas, ao mesmo tempo que crescia os centros das capitais, expandia e demandava mais espaço, mais pessoas eram despejadas para periferias, para que o avanço da industrialização ocorresse. Porém a crítica vem quando esse avanço fica centralizado, e não dando importância às periferias nas quais existiam pessoas que lutavam pela sua sobrevivência e de sua família. Carolina deixa isso bem claro em seu diário, onde relata o caos em momentos de “avanço” na política brasileira. A luta diária que Carolina enfrentava era essa: Trabalhava muito e ganhava pouco. E o pouco que ganhava era destinado 99% das vezes à compra de alimentos, mas mesmo assim muitas vezes comia juntamente com seus filhos restos de ossos que encontrava no lixo.
Com isso, é evidente que a vida na periferia para pessoas miseráveis é totalmente difícil e que se não houver programas sociais que as acolham, que as auxiliem, será quase  impossível sair desse modo de vida. Eis aí uma das grandes importâncias deste diário, o olhar de sensibilidade que os leitores das diversas camadas sociais devem ter ao ler, pois é um problema e que deve ser resolvido, pois mata pessoas diariamente. E embora seja do ano de 1950, é um livro totalmente atual, uma vez que se observa uma intervenção federal em um dos Estados mais conhecidos do Brasil, o Rio de Janeiro, de forma específica nas favelas, e que o índice de violência aumentou nesses lugares.
Logo, é um debate que é muito atual e ao qual é preciso dar ênfase. A mulher, mãe, negra e pobre que reside nas favelas do Brasil passa por dificuldades semelhantes a de Carolina, além do machismo institucionalizado que as perseguem constantemente, machismo que mata a cada duas horas uma mulher. Com isso, esse diário ganha sua importância, por ser muito atual e por seu valor empírico, além do fato de relatar a situação das favelas do Brasil em um momento de “avanço”, por isso e outras razões foi traduzido em 13 idiomas diferentes. Um país que avança em algumas coisas, retrocede em outras, será que está mesmo avançando? E para quem está avançando?
No que diz respeito ao âmbito acadêmico, o diário traz essa reflexão aqui apresentada a fim de conscientizar os universitários que cursam cursos voltados para a área social a refletir sobre como melhorar a realidade de vida dessas pessoas, o que é preciso ser feito e qual impacto do grande número de pessoas em situações de pobreza e extrema pobreza pode gerar em um país, para a economia, etc. Sendo assim, este diário ganha muita riqueza em ambiente acadêmico e para análise de estudos, mas não há belos avanços sociais se antes não ocorrer o olhar de sensibilidade com essas pessoas que vivem a realidade de Carolina.

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