Mônica Rocha dos Santos
A obra afro futurista A
Parábola do Semeador, de Octavia Butler, foi publicada em 1993 e sua semelhança
com o mundo em que vivemos é impressionante, tanto no que se refere ao caos em que estamos
com a pandemia, como também ao universo de nossas crises políticas, econômicas e
sociais.
A história é contada em
forma de diário por Lauren Olamina a partir de 2025. É pelo olhar da
adolescente que vamos desvendando a comunidade em que está inserida e a que se
estabelece para além dos muros do bairro Robledo, Califórnia, onde ela mora com a
família.
Em um mundo caótico, com
instabilidades, desemprego, problemas ambientais, drogas, corrupção dentro das
instituições e violências das mais diversas ordens, a Lauren e sua família
estão amparados por uma rede de apoio, sustentada na comunidade do bairro
Robledo. Ali, fechados entre os muros e as armas de autodefesa, a comunidade se
organiza para tentar impedir que o caos externo entre e desestabilize tudo.
Não demora para que a
comunidade seja invadida, queimada e destruída, e Lauren se veja sozinha, fora
da redoma de proteção em que sempre viveu, tendo que traçar estratégias para
chegar ao Norte, mesmo sem saber ao certo onde era o Norte e o que iria
encontra por lá. O que possibilita essa viagem são os conhecimentos acumulados
pela adolescente, pelas leituras feitas e pelo instinto de sobrevivência que
sempre esteve ativo.
A protagonista sofria com
a Síndrome de hiper empatia, causada pelo uso de drogas por sua mãe durante sua
gestação. A síndrome a deixava sensível tanto a dor como ao prazer do outro. Em
um mundo caótico, onde as violências explícitas são tão corriqueiras, sentir a
dor do outro a deixava vulnerável, fato que a fez esconder sua condição, mas
não a impediu de vivenciar essas vulnerabilidades.
E o que essa história de
1993 me ensinou? Posso dizer que de 2020 essa obra foi uma das que mais me
impactaram, principalmente pela pandemia e por viver em constante busca por um
Norte que também não sei onde fica. No meu caminho em busca do Norte, assim
como no de Lauren, algumas pessoas vão se juntando e seguindo, e outras vão ficando
pelo caminho, contribuindo com experiências e vivências.
Lauren não sabia quando
sua viagem começaria, mas sabia que como as coisas estavam se desenhando, ela seria
inevitável. Então, se programou, focou em leituras que pudessem ser úteis no
mundo fora dos muros, organizou uma bolsa de emergência com itens que julgou
serem necessários para sobreviver. Quantas(os) de nós temos bolsas de
emergências? Quantas(os) de nós estamos realmente prontas(os) para a aventura
que é nosso amanhã? Eu não tenho ainda essa bolsa, mas a visualizo hoje como um
item de primeira necessidade.
A reflexão do livro é
sobre nossas ações, o quanto nossas ações contribuem para formar a sociedade
que queremos. Na obra, as personagens estão vivendo as consequências de uma
sociedade que não se preocupou em cuidar do meio ambiente e em fazer escolhas
responsáveis para governar. O reflexo foi sentido pela comunidade, que ficou
desassistida em saúde, segurança, educação, emprego e bem-estar.
Estamos vivendo essa
realidade sonhada na obra de ficção, estamos já em um futuro em que a
irresponsabilidade das escolhas políticas estão nos deixando em um caos social,
sanitário, educacional, cultural, moral, ecológico. Estamos caminhando sozinhos
ou em pequenos grupos, tentando encontrar o nosso Norte em um mundo que se
mostra cada vez menos nosso, cada vez mais hostil às nossas demandas tão diversas.
Lauren Olamina foi uma
adolescente que, mesmo temendo o caos, se organizou para enfrentá-lo e sonhou com
a “semente da terra”, teve fé de que era possível construir em comunidade um
mundo melhor, que era possível reunir os diferentes em tantas coisas, mas
unidos em um propósito e fazer diferente. E nós, estamos preparados para o caos?
Estamos nos organizando para fazer diferença? Estamos prontas/os para caminhar e
de forma ativa organizar um novo futuro?
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