Aline G. Andrade
(A partir da leitura do capítulo 2 da Teoria Feminista, de bell hooks)
No segundo capítulo do livro A teoria feminista, bell
hooks destaca a falta de consenso existente dentro do feminismo sobre o seu
próprio significado e também do que é ‘ser feminista’. Essa dificuldade,
segundo ela, demonstra a falta de interesse no movimento feminista como um
movimento político e radical. Como não existe uma definição concreta sobre o
mesmo, muitas pessoas acabam vislumbrando o movimento como um simples indutor
da pauta de “igualdade entre homens e mulheres”. Essa colocação, como aponta a
autora, é carregada de problemas, tendo em vista que exclui as questões de raça
e classe dentro das relações sociais. A autora questiona:
Se os homens não são iguais entre si dentro
da estrutura da classe patriarcal, capitalista e de supremacia branca, com
quais homens as mulheres querem se igualar? Elas partilham da mesma opinião
sobre o que é igualdade? (hooks, 2019,
p. 48).
Nesse sentido, as mulheres não brancas e de classes mais
baixas entendem que muitos homens que partilham de condições similares a sua
(classe e raça), são explorados e oprimidos diariamente; sendo assim, não
anseiam essa “igualdade de gênero”. Importante ressaltar que algumas ativistas
do movimento já colocavam que o feminismo deveria lutar “pela erradicação da
dominação e do elitismo em todas relações humanas” (hooks, 2019, p. 49). No
entanto, existem feministas defensoras da igualdade entre os homens de sua
mesma classe, o que para bell hooks torna o movimento mais reformista do que
radical revolucionário.
Esse reformismo advém de um feminismo liberal, que não
pretende quebrar com sistema de dominação patriarcal e capitalista. Segundo a
autora “essa falta de preocupação com a dominação é coerente com a crença do
feminismo liberal de que a mulher pode se igualar socialmente aos homens sem
desafiar e modificar a base cultural da opressão de grupo” (hooks, 2019, p.
51). Ressalta-se que algumas pautas feministas são aceitas pela sociedade,
exatamente por não almejarem alterar o status
quo, tornando assim as reformas pouco efetivas para emancipação da mulher
no que tange a parte econômica.
Ademais, bell hooks aborda um pouco do que vem causando
diversos conflitos entre mulheres, a utilização do termo “feminista”:
É como se o termo tivesse uma conotação
desagradável e com a qual não valesse a pena se associar. Possivelmente, se
você lhes apresentasse todas as crenças feministas, elas acatariam tudo
literalmente - mas mesmo quando se assumem feministas, elas não hesitam em
dizer não (hooks, 2019, p. 54-55).
Segundo
a autora, as explicações para esse “medo” variam, destacando-se o medo de serem
associadas com movimentos políticos radicais, com lésbicas e também com o
‘feminismo branco’. Nesse sentido, aponta-se que as definições de feminismo
normalmente são diferentes de acordo com a natureza de classe. O caráter
liberal define o feminismo como sendo movimento individual que defende os
direitos da mulher à liberdade e autodeterminação; já os de caráter radical, defende
que o movimento é coletivo e pautado na erradicação do sexismo e todas as formas
de opressão. Diante do exposto, bell hooks critica a primeira abordagem, pois
considera que não é possível somente defender a autonomia e liberdade pessoal
da mulher, é necessário defender a igualdade de oportunidade que possibilitará extinguir
a dominação masculina.
Em vistas dessa individualização, muitas mulheres não
desenvolveram a habilidade de compreender o coletivo e suas complexidades. Sendo
assim, bell hooks incentiva que "perspectivas mais amplas só podem emergir
se examinarmos tanto a dimensão pessoal, que é política, quanto os aspectos
políticos orientados à revolução global" (hooks, 2019, p. 57). A autora coloca
que o objetivo do movimento deve ser a transformação do coletivo e não de
grupos específicos. Dessa forma, bell hooks expõe claramente que "o
feminismo não é um estilo de vida, nem uma identidade pré-fabricada ou um papel
a ser desempenhado em nossas vidas pessoais" (hooks, 2019, p. 59). A
autora faz uma crítica contundente dizendo que essa maneira de ver o feminismo
reflete a natureza de classe, onde a maioria das mulheres que utilizam o
movimento como ‘estilo de vida’ são advindas da classe média, jovens solteiras
e com diploma de ensino superior. A alternativa contrária a isso seria
vislumbrar o feminismo como um compromisso político capaz de se engajar em
práxis revolucionária capaz de modificar as estruturas individualistas advindas
do capitalismo.
Por conseguinte, bell hooks explana sobre os questionamentos
direcionados a ela referente a importância da luta do feminismo e o fim do
racismo, de forma a hierarquizar os dois movimentos (feminismo x antirracismo).
De acordo com a sua visão, essa dicotomia é "(...) enraizada no pensamento
competitivo, na crença de que o indivíduo se constitui em oposição aos
demais" (hooks, 2019, p. 63). Nesse sentido, a autora explica que muitas
pessoas visualizam os dois movimentos como opostos, ou seja, não sendo possível
ser feminista e antirracista ao mesmo tempo. Esse tipo de imposição vem
afastando mulheres negras das questões feministas, por sentirem desconforto e
insegurança ao se identificarem como feministas, ficando implícito que é mais
importante que a luta antirracista.
Sendo o feminismo um movimento de classe, as teorias estão
sendo elaboradas por mulheres brancas, dessa forma grupos não privilegiados sentem
que estas apenas reforçam a dominação da elite burguesa. Em contraponto, é
encorajado que mulheres negras colaborem com trabalhos ligados a experiências
pessoais, sendo estes importantes para o movimento, porém, segundo a autora,
não podem substituir a teoria. Dessa forma, entende-se que as mulheres negras
não são convidadas para participarem das formulações de teorias.
Por fim, o capítulo ‘feminismo como movimento para acabar a
opressão sexista’ discorre sobre as questões do sistema de dominação e
interrelação de sexo, classe e raça. Bell hooks finaliza o capítulo esclarecendo
que:
(...) a futura luta
feminista precisa ser solidamente alicerçada no reconhecimento da necessidade
de erradicar os fundamentos e as causas culturais do sexismo e de outras formas
de opressão social. Sem desafiar e modificar essas estruturas filosóficas,
nenhuma reforma feminista terá um impacto duradouro" (hooks, 2019, p. 66).
Referências
Hooks, bell. Teoria feminista: da margem ao centro. Trad.
Rainer Patriota. São Paulo: Perspectiva, 2019.