domingo, 13 de setembro de 2020

O papel das mulheres modernas (?) na Pandemia

Priscila Aguiar Maia Barbosa 



Foto: Helene Santos

 

Na figura acima, Dona Maria (60) representa o retrato da maioria das mulheres brasileiras. Empregada doméstica, mãe solo de cinco filhos e avó de um. Dona Maria, atendendo aos pedidos dos patrões e, para manter o sustento da família, dorme no trabalho durante a semana e vai para casa apenas aos finais de semana.

Com a chegada da pandemia em 2020, a sobrecarga dos afazeres domésticos se intensificou para as mulheres, algo que já era alto antes deste ano.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2019, as mulheres já dedicavam, em média 21,3 horas aos afazeres domésticos, quase o dobro se comparado aos homens, que dedicavam, em média, 10,9 horas semanais aos mesmos afazeres. Conforme estudos da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), são elas, majoritariamente que preparam as refeições (68% x 24%), em relação a limpeza da casa elas se mantiveram na liderança (63% x 23%), as mulheres também lideram outros campos, como, administrar o dinheiro ou o orçamento doméstico (56% x 44%), fazer as compras no supermercado/feira (54% x 40%), e só não lideraram no quesito cuidar da poupança ou dos investimentos (45% x 47%). Ainda de acordo com a Febraban, 71% das entrevistadas afirmam que a responsabilidade sobre a vida escolar dos filhos recaiu sobre as mulheres após o início da Pandemia.

  

Mulheres na década de 50.

Fonte: Banco de Imagens do Google.

Por outro lado, há de se considerar as mulheres que são mãe solo — 11,6 milhões em 2015 —, como Dona Maria, que também são mães, mulheres, profissionais e filhas.

Ademais, a Pandemia do Covid-19 exacerbou problemas estruturais que assolam a vida das mulheres brasileiras. Como, por exemplo, os casos de violência doméstica no estado do Rio de Janeiro (RJ), que chegaram a obter um aumento de 50% nos registros de violência doméstica. Durante esse período, em razão de os casais estarem mais tempo juntos em casa, as mídias sociais criaram a hashtag #AntiDomesticViolenceDuringEpidemic para expressar o repúdio à violência doméstica ao redor do mundo, além de contar relatos de violência e levar informação aos internautas.

Tampouco, outras áreas predominantemente ocupadas por mulheres (BETIOL; TONELLI, 1991) também tiverem dados expressivos, como por exemplo, a sobrecarga das mulheres na área da saúde. De acordo com o IBGE, em uma pesquisa encomendada pelo Conselho Federal de Enfermagem (Cofen, 2015), a equipe de enfermagem é majoritariamente feminina, correspondendo a 84,6% dos cargos ocupados por mulheres. Durante a pandemia, até o mês de setembro/20, foi identificado 32.822 casos de enfermeiras com o covid-19, enquanto 5.769 enfermeiros contraíram a doença. Já em relação aos óbitos, registrou-se o falecimento de 251 mulheres. Foram 251 vidas femininas que estiveram na linha de frente, lutando contra os riscos da profissão, colocando em risco suas vidas e de seus familiares.

 Portanto, temáticas sobre igualdade nas tarefas domésticas e quebra de paradigmas discriminatórios se fazem cada vez mais importantes. A História ensina fatos que devem servir de exemplo para que não sejam repetidos. Já o presente exprime dados cruéis e que devem servir de lição para o futuro. Lutar pela igualdade de gênero é uma luta de todos. De todos para àqueles que não representam mais uma minoria.

 

Referências

BETIOL, Maria Irene Stocco; TONELLI, Maria José. A mulher executiva e suas relações de trabalho. Revista de administração de Empresas, São Paulo, v. 31, n.4, p. 17-33, out./dez. 1991. Disponível em: <https://www.scielo.br/pdf/rae/v31n4/v31n4a03.pdf>. Acesso em 09 de setembro de 2020.

 

COFEN. Pesquisa inédita traça perfil da enfermagem. 2015. Disponível em: <http://www.cofen.gov.br/pesquisa-inedita-traca-perfil-da-enfermagem_31258.html>. Acesso em 10 setembro 2020.

 

DTIC/COFEN. Observatório da Enfermagem: profissionais infectados pelo covid-19. Profissionais Infectados pelo Covid-19. 2020. Disponível em: <http://observatoriodaenfermagem.cofen.gov.br/>. Acesso em 10 de setembro 2020.

 

FEBRABAN. Observatório Febraban (II):: as famílias após a pandemia. As famílias após a pandemia. 2020. Disponível em: <https://cmsportal.febraban.org.br/Arquivos/documentos/PDF/200720_OBSERVATO%CC%81RIO_FEBRABAN_JULHO%202020_final_iD_Ipespe.pdf>. Acesso em 9 setembro 2020.

 

LIMA, Juliana Domingos de. Quais os impactos da pandemia sobre as mulheres. 2020. Jornal Nexo. Disponível em: <https://www.nexojornal.com.br/expresso/2020/03/24/Quais-os-impactos-da-pandemia-sobre-as-mulheres>. Acesso em 10 de setembro 2020.

 

MESQUITA, Carolina. Mães chefes de família lutam para manter sustento do lar na pandemia. 2020. Disponível em: <https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/negocios/maes-chefes-de-familia-lutam-para-manter-sustento-do-lar-na-pandemia-1.2243921>. Acesso em 10 setembro 2020.

 

segunda-feira, 27 de julho de 2020

Vivemos o futuro distópico descrito em "A Parábola do Semeador"

Mônica Rocha dos Santos


A obra afro futurista A Parábola do Semeador, de Octavia Butler, foi publicada em 1993 e sua semelhança com o mundo em que vivemos é impressionante, tanto no que se refere ao caos em que estamos com a pandemia, como também ao universo de nossas crises políticas, econômicas e sociais.

A história é contada em forma de diário por Lauren Olamina a partir de 2025. É pelo olhar da adolescente que vamos desvendando a comunidade em que está inserida e a que se estabelece para além dos muros do bairro Robledo, Califórnia, onde ela mora com a família.

Em um mundo caótico, com instabilidades, desemprego, problemas ambientais, drogas, corrupção dentro das instituições e violências das mais diversas ordens, a Lauren e sua família estão amparados por uma rede de apoio, sustentada na comunidade do bairro Robledo. Ali, fechados entre os muros e as armas de autodefesa, a comunidade se organiza para tentar impedir que o caos externo entre e desestabilize tudo.

Não demora para que a comunidade seja invadida, queimada e destruída, e Lauren se veja sozinha, fora da redoma de proteção em que sempre viveu, tendo que traçar estratégias para chegar ao Norte, mesmo sem saber ao certo onde era o Norte e o que iria encontra por lá. O que possibilita essa viagem são os conhecimentos acumulados pela adolescente, pelas leituras feitas e pelo instinto de sobrevivência que sempre esteve ativo.

A protagonista sofria com a Síndrome de hiper empatia, causada pelo uso de drogas por sua mãe durante sua gestação. A síndrome a deixava sensível tanto a dor como ao prazer do outro. Em um mundo caótico, onde as violências explícitas são tão corriqueiras, sentir a dor do outro a deixava vulnerável, fato que a fez esconder sua condição, mas não a impediu de vivenciar essas vulnerabilidades.

E o que essa história de 1993 me ensinou? Posso dizer que de 2020 essa obra foi uma das que mais me impactaram, principalmente pela pandemia e por viver em constante busca por um Norte que também não sei onde fica. No meu caminho em busca do Norte, assim como no de Lauren, algumas pessoas vão se juntando e seguindo, e outras vão ficando pelo caminho, contribuindo com experiências e vivências.

Lauren não sabia quando sua viagem começaria, mas sabia que como as coisas estavam se desenhando, ela seria inevitável. Então, se programou, focou em leituras que pudessem ser úteis no mundo fora dos muros, organizou uma bolsa de emergência com itens que julgou serem necessários para sobreviver. Quantas(os) de nós temos bolsas de emergências? Quantas(os) de nós estamos realmente prontas(os) para a aventura que é nosso amanhã? Eu não tenho ainda essa bolsa, mas a visualizo hoje como um item de primeira necessidade.

A reflexão do livro é sobre nossas ações, o quanto nossas ações contribuem para formar a sociedade que queremos. Na obra, as personagens estão vivendo as consequências de uma sociedade que não se preocupou em cuidar do meio ambiente e em fazer escolhas responsáveis para governar. O reflexo foi sentido pela comunidade, que ficou desassistida em saúde, segurança, educação, emprego e bem-estar.

Estamos vivendo essa realidade sonhada na obra de ficção, estamos já em um futuro em que a irresponsabilidade das escolhas políticas estão nos deixando em um caos social, sanitário, educacional, cultural, moral, ecológico. Estamos caminhando sozinhos ou em pequenos grupos, tentando encontrar o nosso Norte em um mundo que se mostra cada vez menos nosso, cada vez mais hostil às nossas demandas tão diversas.

Lauren Olamina foi uma adolescente que, mesmo temendo o caos, se organizou para enfrentá-lo e sonhou com a “semente da terra”, teve fé de que era possível construir em comunidade um mundo melhor, que era possível reunir os diferentes em tantas coisas, mas unidos em um propósito e fazer diferente. E nós, estamos preparados para o caos? Estamos nos organizando para fazer diferença? Estamos prontas/os para caminhar e de forma ativa organizar um novo futuro?  

 

 


quarta-feira, 17 de junho de 2020

Liberdade, religião e secularização

Amanda Lima






 “One of us” é um documentário dirigido por Heidi Ewing e Rachel Grady, que acompanha a história de três judeus hassídicos: Etty, Ari e Luzer. Eles moram no Brooklyn e buscam de alguma forma a liberdade individual em meio a uma comunidade bastante fechada.
Os judeus hassídicos formam um movimento bem específico dentro do judaísmo ortodoxo, no qual as pessoas vivem sob regras bastante rígidas. Eles criam seu próprio código de conduta, frequentam escolas próprias e os materiais didáticos são minuciosamente analisados antes de serem entregues aos alunos. As pessoas mais velhas que compõem a comunidade possuem um medo do conhecimento e se opõem a ter qualquer tipo de acesso à produção cultural secular dentro da comunidade. Por isso, o acesso às bibliotecas é proibido como forma de impossibilitar esse contato. As pessoas que fazem parte desse grupo vivem em um universo à parte, sem contato algum com saberes ou vivências diferentes.
O ponto central desse documentário é perceptível no momento em que os três personagens principais decidem abandonar essa vida cheia de regras, e isso é exposto de forma bastante humanizada e dolorosa refletida na solidão que os acompanham e quando precisam lidar com o afastamento dos próprios familiares, e ainda ter a dificuldade de viverem em um outro mundo sobre o qual eles pouco sabem, já que anteriormente essa opção não era permitida para os mesmos, um fator que dificultava a inserção deles no mercado de trabalho pelo fato da educação ser bastante limitada.
Esse documentário consegue captar de forma interessante o choque cultural que existe entre a religião, o estado e a liberdade, e mostra a necessidade de se abrir um debate de forma séria em relação à liberdade religiosa e cultural dentro da modernidade. Isso faz surgir questionamentos sobre as concepções construídas sobre bases tradicionais em paralelo ao mundo em que vivemos hoje.
É necessário abrir espaços de debate para essa pauta, visto que, ainda em alguns lugares, inúmeros tipos de violências ou limitações no modo de viver dessas pessoas são naturalizados e legitimados sobre o discurso de ser algo cultural, que sempre foi assim. É preciso ter um olhar de cuidado e respeito sobre as manifestações de cultura ou religião, mas é necessário que essas concepções sobre como cada comunidade religiosa deve ser regida não acabe violando a autonomia e vivência de cada indivíduo.

segunda-feira, 8 de junho de 2020

O direito à maternidade negado às mulheres negras

Mônica Rocha dos Santos



(Reflexões a partir da leitura do capítulo 10 do livro Teoria Feminista de bell books)


No décimo capítulo do livro Teoria Feminista, bell hooks levanta uma discussão sobre o início do movimento feminista e a questão da maternidade, vista por muitas mulheres brancas de classe média como um obstáculo à liberdade das mulheres. Para hooks, se a percepção das mulheres negras tivesse sido levada em consideração, outros obstáculos à liberdade teriam sido levantados, como o racismo. É esse racismo que aqui no Brasil tem negado o direito de vivenciar a maternidade para muitas mulheres negras.

As mulheres negras da diáspora sempre trabalharam, e nesse contexto, contaram muitas vezes com a comunidade para ajudar a criar seus filhos. A literatura está cheia de exemplos de mulheres negras que abdicaram, pela necessidade do trabalho, do direito de exercerem/vivenciarem a maternidade. As crianças negras são educadas em comunidade, não por uma filosofia de vida, mas pela necessidade da ausência de seus pais.
            Nesse contexto de vivência da maternidade, mães negras estão tendo, muitas vezes, esse direito negado. A violência do racismo (muitas vezes exercida pela ação policial, braço do Estado) tem dificultado a existência das famílias negras. Acabar com a vida dos jovens negros é a política mais eficaz de genocídio a longo prazo praticado aqui no país, que tira a vida do indivíduo e, ao mesmo tempo, desestabiliza sua comunidade.
A maternidade nesses casos é interrompida, negada. Mônica Ribeiro, mãe de Kauê Ribeiro, 12 anos, Vanessa Francisco Sales, mãe de Agatha vitória Sales, 8 anos, Rafaela Matos, mãe de João Pedro Matos, 14 anos e Mirtes Renata Souza, mãe de Miguel Otávio Santana da Silva, 5 anos, são exemplos de mulheres que tiveram seus direitos de maternidade negados por um sistema racista que impede crianças e jovens negros de viverem.
A comunidade negra contribui para a formação e o cuidado de suas crianças, muitas mulheres, mães solos, encontram na comunidade o suporte para criarem seus filhos. É no sistema de ajuda mútua que as crianças vão sendo educadas na comunidade. E é essa comunidade negra que morre toda vez que seus filhos são mortos, a dor da perda das crianças e jovens negros não é apenas a dor de uma família, é também a dor de uma comunidade.
É essa mesma comunidade que diariamente se manifesta contra o genocídio dos seus, toda vez que um corpo tomba a comunidade levanta sua voz em resposta. Talvez essas vozes não ecoem na mídia nacional, mas engana-se quem pensa que estamos apáticos para o projeto político em curso. Em meio a dor das famílias e da comunidade sempre existiu lugar para a resistência e para a luta. Não descansaremos enquanto as crianças e os jovens negros não tiverem direito a existirem e suas mães a vivenciarem a maternidade, pois #VidasNegrasImportam.  

Homens: Companheiros de Luta

Mateus Santos de Sousa



(A partir da leitura do capítulo 5 da Teoria feminista de bell hooks)


Bell Hooks enfatiza a respeito da luta feminista e suas mais diversas ramificações sociais. Em específico, neste capítulo a autora mostra a importância dos homens para a emancipação do movimento, sem desconsiderar que eles se encontram em uma posição de privilégios e gozam das oportunidades do capitalismo, às quais as mulheres não possuem acesso pelo simples fato de nascerem mulheres em um sistema patriarcal, que se baseia em opressão e dominação. 

Vivemos em uma sociedade machista e os homens sabem disso. Uma pesquisa realizada pela ONU Mulheres e o portal PapodeHomem (2016) aponta que 81% dos homens consideram o Brasil um país machista. Sendo assim, o machismo é a base para a difusão das mais diversas violências contra a mulher, o que se torna inaceitável, pois a cada 4 minutos uma mulher e agredida no Brasil (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2018). Mas para isso acabar é preciso nos posicionar de forma assertiva, dialogando e trazendo essas discussões para os ambientes de convívio social.

Em primeira análise, bell hooks reitera sobre a importância de envolver todos e todas nessa luta, principalmente os homens, como explicitado pela própria autora no trecho a seguir: “Definido como movimento para acabar com a opressão sexista, o feminismo autoriza homens e mulheres, [...], a participarem em condições iguais da luta revolucionária” (HOOKS, 1984, p. 111). Mas para que tal afirmação aconteça é preciso haver um engajamento e interesse por parte dos homens, para mudar o nosso comportamento e da sociedade sobre a opressão sexista. Em conjunto, podemos difundir que a igualdade de gênero é uma causa social, política e econômica com a intenção de promover mudança social. 

“O machismo é uma grande cegueira”, essa frase do psicólogo Fred Mattos é bastante pertinente para a discussão de Bell Hooks sobre o papel do homem dentro do feminismo. Contudo, vivemos em uma sociedade onde existem interesses privados, como exemplo, por que lutar contra meus privilégios de gênero? Ou pior, por que acabar com meu poder de dominação? O feminismo se torna uma ameaça por confrontar paradigmas de desigualdade e interesses individuais no meio masculino, por isso há uma certa resistência em sentar para ouvir uma mulher ou dar credibilidade a seus feitos e sucessos profissionais.

Hoje em dia, já existem grupos de homens que demonstram interesse pelo tema e querem contribuir com a causa. Em uma pesquisa realizada pelo Instituto Avon (2016) com 1.800 homens, observou-se que 88% dos entrevistados acreditam que há desigualdade entre homens e mulheres na nossa sociedade. Porém, foi constatado pela mesma pesquisa que alguns homens desse grupo não sabem como mudar seus comportamentos machistas e, por esse motivo, é de fundamental importância que as feministas auxiliem esses homens por meio de diálogos e projetos de inclusão social dentro da luta feminista. 

Segundo a autora, para alcançarmos um país mais igualitário e justo, faz-se necessário emancipar homens e mulheres a resistirem à educação sexista, a qual ensina a odiar e temer uns aos outros. “A retórica feminista baseada na ideia de que os homens são inimigos não resultou em muitas implicações positivas” (HOOKS, 1984, p. 122), como observa bell hooks. Tratar os homens com hostilidade, utilizando da lógica de vilão e heroína não os tornará suscetíveis às ideias feministas e sim alimentará um desejo de supremacia e dominação, por se sentirem ameaçados. 

Por fim, foi analisada a questão de raça e classe dentro do feminismo, citando a escritora negra Maya Angelou, que realiza uma discussão sobre os diferentes papéis desempenhados por mulheres brancas e negras nas comunidades. bell hooks analisa em encontros sociais diferentes que mulheres negras sempre predominam no ambiente, em contrapartida, as mulheres brancas vivem sobre a tutela dos homens brancos, com certo grau de parentesco, impondo o lugar onde elas devem estar com a seguinte afirmação “eu não preciso que vocês comandem minhas instituições” (HOOKS, 1984, p. 114). Através dessa experiência, bell hooks comprovou que as mulheres negras estavam dizendo para os homens negros que não eram inimigos e que precisavam se opor à educação que ensina a nos odiarmos, porque há uma causa maior, a luta antirracista. Essa ideia repercutiu recentemente na ligação afetiva entre dois negros em um reality show (HOOKS, 1984). Precisamos de homens e mulheres na luta contra o sistema do patriarcado.


“Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser o opressor” PAULO FREIRE.
Referências Bibliográfica:
HOOKS, Bell. Teoria Feminista: da margem ao centro. Ed.1. São Paulo: Perspectiva, 2019.
81% dos homens consideram o Brasil um país machista, aponta pesquisa inédita da ONU Mulheres. ONU Mulheres, 25 de out. 2016. Disponível em: http://www.onumulheres.org.br/noticias/81-dos-homens-consideram-o-brasil-um-pais-machista/> Acesso em: 05 de mai. 2020.
CUBAS, Marina, G. ZAREMBA, Júlia. AMÂNCIO, Thiago. Brasil registra 1 caso de agressão a mulher a cada 4 minutos, mostra levantamento. Folha de S. Paulo, São Paulo, 9 de set. 2019. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2019/09/brasil-registra-1-caso-de-agressao-a-mulher-a-cada-4-minutos-mostra-levantamento.shtml> Acesso em: 05 de mai. 2020.
O papel do homem na desconstrução do machismo. Instituto Avon, São Paulo, set e nov. 2016. Disponível em: < http://institutoavon.org.br/uploads/media/1481746069639-projeto_ia_20x20cm.pdf> Acesso em: 06 de mai. 2020.

sexta-feira, 1 de maio de 2020

Feminismo: Um movimento para acabar com a opressão sexista


Aline G. Andrade



(A partir da leitura do capítulo 2 da Teoria Feminista, de bell hooks)


No segundo capítulo do livro A teoria feminista, bell hooks destaca a falta de consenso existente dentro do feminismo sobre o seu próprio significado e também do que é ‘ser feminista’. Essa dificuldade, segundo ela, demonstra a falta de interesse no movimento feminista como um movimento político e radical. Como não existe uma definição concreta sobre o mesmo, muitas pessoas acabam vislumbrando o movimento como um simples indutor da pauta de “igualdade entre homens e mulheres”. Essa colocação, como aponta a autora, é carregada de problemas, tendo em vista que exclui as questões de raça e classe dentro das relações sociais. A autora questiona:

Se os homens não são iguais entre si dentro da estrutura da classe patriarcal, capitalista e de supremacia branca, com quais homens as mulheres querem se igualar? Elas partilham da mesma opinião sobre o que é igualdade?  (hooks, 2019, p. 48).
Nesse sentido, as mulheres não brancas e de classes mais baixas entendem que muitos homens que partilham de condições similares a sua (classe e raça), são explorados e oprimidos diariamente; sendo assim, não anseiam essa “igualdade de gênero”. Importante ressaltar que algumas ativistas do movimento já colocavam que o feminismo deveria lutar “pela erradicação da dominação e do elitismo em todas relações humanas” (hooks, 2019, p. 49). No entanto, existem feministas defensoras da igualdade entre os homens de sua mesma classe, o que para bell hooks torna o movimento mais reformista do que radical revolucionário.
Esse reformismo advém de um feminismo liberal, que não pretende quebrar com sistema de dominação patriarcal e capitalista. Segundo a autora “essa falta de preocupação com a dominação é coerente com a crença do feminismo liberal de que a mulher pode se igualar socialmente aos homens sem desafiar e modificar a base cultural da opressão de grupo” (hooks, 2019, p. 51). Ressalta-se que algumas pautas feministas são aceitas pela sociedade, exatamente por não almejarem alterar o status quo, tornando assim as reformas pouco efetivas para emancipação da mulher no que tange a parte econômica.
Ademais, bell hooks aborda um pouco do que vem causando diversos conflitos entre mulheres, a utilização do termo “feminista”:

É como se o termo tivesse uma conotação desagradável e com a qual não valesse a pena se associar. Possivelmente, se você lhes apresentasse todas as crenças feministas, elas acatariam tudo literalmente - mas mesmo quando se assumem feministas, elas não hesitam em dizer não (hooks, 2019, p. 54-55).
            Segundo a autora, as explicações para esse “medo” variam, destacando-se o medo de serem associadas com movimentos políticos radicais, com lésbicas e também com o ‘feminismo branco’. Nesse sentido, aponta-se que as definições de feminismo normalmente são diferentes de acordo com a natureza de classe. O caráter liberal define o feminismo como sendo movimento individual que defende os direitos da mulher à liberdade e autodeterminação; já os de caráter radical, defende que o movimento é coletivo e pautado na erradicação do sexismo e todas as formas de opressão. Diante do exposto, bell hooks critica a primeira abordagem, pois considera que não é possível somente defender a autonomia e liberdade pessoal da mulher, é necessário defender a igualdade de oportunidade que possibilitará extinguir a dominação masculina.
Em vistas dessa individualização, muitas mulheres não desenvolveram a habilidade de compreender o coletivo e suas complexidades. Sendo assim, bell hooks incentiva que "perspectivas mais amplas só podem emergir se examinarmos tanto a dimensão pessoal, que é política, quanto os aspectos políticos orientados à revolução global" (hooks, 2019, p. 57). A autora coloca que o objetivo do movimento deve ser a transformação do coletivo e não de grupos específicos. Dessa forma, bell hooks expõe claramente que "o feminismo não é um estilo de vida, nem uma identidade pré-fabricada ou um papel a ser desempenhado em nossas vidas pessoais" (hooks, 2019, p. 59). A autora faz uma crítica contundente dizendo que essa maneira de ver o feminismo reflete a natureza de classe, onde a maioria das mulheres que utilizam o movimento como ‘estilo de vida’ são advindas da classe média, jovens solteiras e com diploma de ensino superior. A alternativa contrária a isso seria vislumbrar o feminismo como um compromisso político capaz de se engajar em práxis revolucionária capaz de modificar as estruturas individualistas advindas do capitalismo.
Por conseguinte, bell hooks explana sobre os questionamentos direcionados a ela referente a importância da luta do feminismo e o fim do racismo, de forma a hierarquizar os dois movimentos (feminismo x antirracismo). De acordo com a sua visão, essa dicotomia é "(...) enraizada no pensamento competitivo, na crença de que o indivíduo se constitui em oposição aos demais" (hooks, 2019, p. 63). Nesse sentido, a autora explica que muitas pessoas visualizam os dois movimentos como opostos, ou seja, não sendo possível ser feminista e antirracista ao mesmo tempo. Esse tipo de imposição vem afastando mulheres negras das questões feministas, por sentirem desconforto e insegurança ao se identificarem como feministas, ficando implícito que é mais importante que a luta antirracista.
Sendo o feminismo um movimento de classe, as teorias estão sendo elaboradas por mulheres brancas, dessa forma grupos não privilegiados sentem que estas apenas reforçam a dominação da elite burguesa. Em contraponto, é encorajado que mulheres negras colaborem com trabalhos ligados a experiências pessoais, sendo estes importantes para o movimento, porém, segundo a autora, não podem substituir a teoria. Dessa forma, entende-se que as mulheres negras não são convidadas para participarem das formulações de teorias.
Por fim, o capítulo ‘feminismo como movimento para acabar a opressão sexista’ discorre sobre as questões do sistema de dominação e interrelação de sexo, classe e raça. Bell hooks finaliza o capítulo esclarecendo que:
(...) a futura luta feminista precisa ser solidamente alicerçada no reconhecimento da necessidade de erradicar os fundamentos e as causas culturais do sexismo e de outras formas de opressão social. Sem desafiar e modificar essas estruturas filosóficas, nenhuma reforma feminista terá um impacto duradouro" (hooks, 2019, p. 66).


Referências

Hooks, bell. Teoria feminista: da margem ao centro. Trad. Rainer Patriota. São Paulo: Perspectiva, 2019.

quinta-feira, 30 de abril de 2020

Cabelo é afeto, amor e aceitação

Diene Ellen Tavares





Em torno da manipulação do corpo e do cabelo do negro existe uma vasta história. Uma história ancestral e uma memória.

Cresci em uma família negra, com mulheres negras de cabelos crespos. A questão da estética do cabelo sempre esteve nas rodas de conversas das mulheres da minha vida: minha mãe Lira, minha avó materna Ana e minha tia, irmã da minha mãe, Maria Raimunda. Mulheres potentes cujos ensinamentos carrego comigo.  Quando assisti a série da Netflix A vida e a História de Madame C. J.  Walker, memórias afetivas me encheram de lembranças. Lembranças boas, lembranças não tão boas, lembranças das tranças que minha avó e mãe faziam em meus cabelos quando eu era criança. Cresci em uma comunidade negra no estado do Amapá-AP onde a beleza negra sempre estava em evidência, principalmente o cabelo:
O cabelo é um dos elementos mais visíveis e destacados do corpo. Em todo e qualquer grupo étnico ele é tratado e manipulado, todavia a sua simbologia difere de cultura para cultura. Esse caráter universal e particular do cabelo atesta a sua importância como símbolo identitário. (GOMES, p 174. 2003)
O cabelo diz quem nós somos. Carregamos na cabeça a raiz identitária do nosso povo, da nossa ancestralidade. A série da Netflix A vida e a História de Madame C. J.  Walker pode ser discutida a partir de diferentes perspectivas. Eu escolhi a da memória afetiva que diz muito sobre a minha persistência em entender essas duas palavras carregadas de signos e códigos, que depois de crescida, entendi que também é carregada de preconceito: o tal do “cabelo bom”.
Eu, minhas irmãs e primas, tínhamos o sonho de ter o cabelo com balanço, que esvoaçasse ao vento, isso era um “cabelo bom” e não o cabelo “duro” como as pessoas diziam que tínhamos. Lembro da dificuldade em encontrar produtos apropriados para o nosso cabelo, vovó Ana comprava vaselina em pomada para trançar os cabelos! Quando Madame C. J.  Walker fala que “cabelo é beleza, cabelo é emoção, cabelo é nossa herança” isso traz uma discussão muito pertinente sobre a nossa negritude, sobre a nossa identidade e sobre o que está por trás do “cabelo bom”.
Minha mãe sempre falava que nós éramos bonitas, que o nosso cabelo era bonito. Mas, sabíamos que o nosso cabelo tinha e tem uma textura completamente diferente das nossas amigas da escola. No colégio, me deparava com minhas amigas com os cabelos lisos ou anelados e lembro-me de que eu, minhas irmãs e primas amarrávamos toalhas ou camisetas na cabeça e fingíamos ter cabelos esvoaçantes. E nós balançávamos os “cabelos” de um lado para outro e, brincávamos de cabelo “grande”, longo e bonito. Essa era a nossa percepção de “cabelo bom”.
Na adolescência, eu sempre tive vontade de ter um cabelo longo. Foi quando aderi aos processos com química, mas nunca quis um cabelo liso, eu queria que meu cabelo crescesse, queria um cabelo diferente do que eu tinha. Passei por uma química chamada permanente afro e depois de algumas aplicações tive uma queda de cabelo. O cabelo caiu! Fiquei com um “buraco” no meio da cabeça! Chorei tanto, me sentia tão envergonhada de ir nos lugares com “aquele cabelo”, o trauma foi tão grande que passei muito tempo sem aplicar nem uma química e, passei boa parte da minha adolescência usando o cabelo amarrado, precisava “domar”, “prender”  a “juba”, pois era assim que se referiam ao nosso cabelo e era assim que eu me via.
A questão do cabelo sempre esteve muito presente na minha vida, na minha trajetória acadêmica. Casei com um homem branco, tenho uma filha que nasceu com os cabelos cacheados e lembro quando uma prima do meu esposo foi visitar, a recém nascida soltou a frase clássica “nossa, que bom que ela nasceu com “cabelo bom”. Na época, morávamos no Espírito Santo. Quando minha filha tinha um ano de idade, meu esposo veio trabalhar em Brasília e, depois de um tempo, fui trabalhar como professora temporária de sociologia no campus São Sebastião.
Quando abrimos as turmas de Ensino Médio Integrado no campus, me deparei com várias adolescentes com cabelos alisados. O cabelo alisado, que é um padrão estético branco, visto socialmente como o mais belo, me incomodava profundamente. Foi quando propus o projeto de Pibic Caminhos da beleza: A estética do cabelo afro como forma de identidade e empoderamento feminino na Comunidade de São Sebastião-DF.
Cabelo é poder, é resistência e representa uma quebra de paradigma do “cabelo bom”. Trabalhar e afirmar a estética do cabelo afro é dialogar com corpos dos sujeitos historicamente discriminados, estigmatizados. O cabelo representa uma forma de liberdade na luta antirracista no nosso país.
Referências
GOMES, Nilma Lino. Educação, identidade negra e formação de professores/as: um olhar sobre o corpo negro e o cabelo crespo. Educação e  Pesquisa, v. 29, n. 1, p. 167-182, 2003.

Cine debate 2